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domingo, 7 de março de 2010

OS TOLOS, OS VIGARISTAS E AS PESSOAS DE BEM

Ponto de vista - Artigo
OS TOLOS, OS VIGARISTAS E AS PESSOAS DE BEM

Leandro de Castro Siqueira
Mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília - UnB

Quando se assiste a debates cuja temática é o meio ambiente, já se tornou corriqueiro ouvir que nessa área as pessoas se dividem em três tipos: os tolos, os vigaristas e as pessoas de bem. Essa expressão passou a ser repetida regularmente para fundamentar as posições de quem a usa, independente de quais argumentos essa pessoa defenda. Uma reflexão sobre esse tema talvez seja bem útil no debate sobre a questão ambiental. Quem seriam os tolos, os vigaristas e as pessoas de bem?
Nas discussões sobre meio ambiente, invariavelmente todos se apresentam como sendo as pessoas de bem. Suas motivações e seus anseios são sempre os mais nobres, verdadeiros e, claro, voltados para o bem comum, principalmente dos mais carentes e vulneráveis. Todos aqueles que apoiam suas idéias são consideradas também pessoas de bem. Já os adversários seriam os vigaristas, cujos pontos de vista são apresentados como sórdidos, corrompidos, desfundamentados e dissimulados, pois representariam interesses de agentes poderosos e ocultos. Os tolos seriam todos aqueles que, sem perceber os motivos torpes dos vigaristas, apoiariam esses últimos por ingenuidade e ignorância. Numa estrutura como essa, todos poderiam ser considerados como tendo o papel de pessoas de bem, de vigaristas ou de tolos, dependendo de quem estiver atribuindo o título. Seria bem difícil chegar a algum lugar assim, não? Essa é uma das razões pelas quais o tratamento das questões ambientais é tão complicado.
Achar que o ponto de vista próprio é o único legítimo, nas situações em geral, e não só nas que envolvem o meio ambiente, cria impasses, os quais demoram para ser resolvidos, quando o são. Mas quando se estabelece o diálogo verdadeiro e se busca assimilar e compreender a perspectiva das demais partes, a solução tende a ser mais rápida e até eficiente.
Uma das razões por que as soluções costumam ser mais rápidas com o uso do diálogo, em vez do conflito, é que os objetivos de cada parte, que podem não estar claros no começo das negociações, passam a ficar explícitos. Dessa forma, os argumentos contrários podem ser objetivamente contestados e negociados, sendo possível até mesmo encontrar objetivos comuns. Todos cedem um pouco e, ao mesmo tempo, têm parte de suas demandas acolhidas. A solução nesses casos tende a ser mais efetiva, já que se leva em consideração o problema sob vários enfoques diferentes, isto é, de forma mais completa. Com esse procedimento, os interessados em buscar soluções para os problemas ambientais percebem que pode haver pessoas de bem como adversários, e que essas pessoas podem ter argumentos interessantes e importantes.
Esse procedimento também permite perceber quando se está lidando com os vigaristas, cujo interesse é que o problema ambiental não seja realmente resolvido. Eles tentam passar a imagem de que estão negociando de modo firme, enquanto escondem sua inflexibilidade, arrogância e falta de cooperação. Ao mesmo tempo desqualificam seus adversários, anunciando que os mesmos é que não estão dispostos a ceder, que seus interesses são condenáveis, etc. Quando seus adversários estão mais frágeis, os vigaristas podem conseguir impor seus objetivos. Quando ambas as partes têm poderes equivalentes na negociação, essa tática cria resistência, e o resultado é o impasse, o que muitas vezes beneficia os interesses dos vigaristas. De qualquer forma, o resultado é insatisfatório para efetivamente dar uma solução ao problema ambiental.
Quanto aos tolos, aqueles que adotam a ideologia que lhes é apresentada e a defendem sem ter consciência dos reais interesses envolvidos, esses sempre existiram e sempre existirão. Eles são a massa de manobra dos atores que têm o poder para disseminar e impor seus sistemas de idéias, seja por meio de instituições e organizações, seja pelos dos meios de comunicação. E o pior é que muitas vezes até nós mesmos não temos noção do quanto nosso modo de agir e de pensar sofre esse tipo de influência.
Felizmente, um dos antídotos capazes de atenuar esse problema é a informação, o que atualmente é possível obter de forma bem mais fácil que no passado. A democracia no acesso à informação produzida pela Internet faz com que os vários pontos de vista relativos a um assunto possam ser divulgados de forma plural e sem censura. Dessa maneira, evitam-se os obstáculos gerados pela influência dos poderes político, econômico e até mesmo religioso sobre os meios de comunicação tradicionais como jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão.
Entretanto, é indispensável o uso de altas doses de discernimento para avaliar as informações a que se tem acesso. Como todos podem expressar suas ideias, as informações legítimas encontram-se lado a lado com uma grande quantidade de bobagem e de informações distorcidas cujo objetivo é desorientar. Nem mesmo as informações provenientes de meios acadêmicos são totalmente confiáveis, já que também podem apresentar tendenciosidade decorrente dos vários tipos de influência a que estão passíveis.
A influência dos vigaristas sobre a massa de ingênuos é perniciosa ao meio ambiente. Cabe ao terceiro tipo de pessoas desse conjunto, as pessoas de bem, mesmo defendendo interesses distintos, e muitas vezes contraditórios, combater essa ação nociva por meio do diálogo e a coordenação de esforços. A união dos vários atores interessados na efetiva resolução dos problemas ambientais é capaz de amplificar o alcance das soluções encontradas, ao mostrar para o grande público que é possível, por meio do diálogo e entendimento mútuo, produzir efeitos satisfatórios na área ambiental. Além disso, essa abordagem no tratamento das questões relacionadas com o meio ambiente tem o mérito de explicitar quem são realmente os tolos, os vigaristas e as pessoas de bem.

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